É inegável que a Engenharia tem que lidar com acidentes, incidentes ou eventos adversos. A ciência da Análise de Acidentes não é somente para responder a um questionamento comum, principalmente da imprensa quando há repercussão:
A sociedade clama por respostas.
A Análise de Acidentes deve tanto complementar a pergunta como as respostas, como veremos a seguir. Porém, voltando com nossa catástrofe, a atenção continua com meios de comunicação repletos de entrevistas, matérias, investigações, e, de repente, a manchete: “concluiu-se que houve curto-circuito na madrugada”.
O que parece ser um alívio dura até o próximo acidente.
A resposta parece até acalmar o sentimento pós-evento. A realidade de ocorrer um evento adverso conosco também parece ficar distante, pois a pergunta fora respondida. Do nada, em nosso trabalho corre a notícia como um raio:
Houve um acidente na empresa e parece que Fulano e Ciclano se machucaram.
No dia seguinte, confirma-se que de fato foi um raio mesmo. Uma descarga atmosférica danificou o quadro elétrico perto da estação de trabalho deles e se formou um pequeno incêndio. A portaria foi chamada e inclusive levou extintores de incêndio para controlar o fogo. Os trabalhadores sofreram apenas lesões leves.
Como não houve mortes ou mutilações, apenas danos materiais (além do susto), em poucos dias, tudo está bem. Os componentes danificados foram trocados e os trabalhadores já retornaram. Todos conversam sobre o ocorrido e sentem até um refresco por tudo estar bem. Ufa!!!
Mas o Engenheiro não dorme direito
Talvez ele se questione se foi dada a resposta certa ou se foi realizada a pergunta correta. Aqui entra o olhar crítico da Engenharia e, principalmente, da ciência de Análise de Acidentes e Incidentes. Além do plano das metáforas:
Os eventos adversos, ainda que possam ser tristes, têm diversas lições a ensinar.
Compreender toda a cadeia de eventos anteriores ao fato, aliado ao conhecimento técnico e de método de análises, é chave para que o Engenheiro possa realizar uma das missões de sua profissão: atuar em benefício do ser humano.
A Análise de Acidentes deve então responder:
O que deve ser feito para evitar que eventos similares ocorram novamente?
EVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS ADVÊM DE ANÁLISES DE EVENTOS ADVERSOS
Uma breve pesquisa sobre o histórico de diversas atividades humanas indica que os avanços que tivemos passaram por situações adversas. As cirurgias eram realizadas sem anestesia ou com métodos rudimentares para se contornar a dor, como comprimir a carótida de modo a impedir que o sangue chegasse ao cérebro. Veio então o éter, que tem a desvantagem de provocar vômitos no pós-operatório e, como consequência, desidratação.
Pode-se inferir que havia ainda acidentes em razão das características intrínsecas das técnicas e substâncias, mesmo elas sendo avanços na medicina. Graças também ao estudo sistemático dos acidentes passados, ou seja, da Análise de Acidentes, o procedimento de anestesia hoje é muito mais seguro do que há poucas décadas, assim como os procedimentos e rotinas da aviação civil, o que, com certeza, já ajudou a salvar muitas vidas.
Mas eu não sou nem médico, nem dono de uma fábrica de aviões. O que isso tem a ver com o meu trabalho?
No espectro mais próximo à minha realidade, observo que mesmo em atividades ou equipamentos mais “comuns” ou “simples”, os acidentes são ainda uma fonte valiosíssima de informações para se melhorar as condições de trabalho ou de segurança.
Basta lembrarmos de algumas coisas do passado:
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- A máquina de lavar roupa antiga permitia que se abrisse a tampa com ela centrifugando.
- Crianças andavam soltas no porta-malas do carro.
- Passageiros viajavam de ônibus rodoviário sem usar cinto.
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Quantas lesões foram necessárias para que se implementasse um sistema de intertravamento com bloqueio ao invés de simplesmente confiar na etiqueta “não coloque a mão” nas máquinas?
Crianças pagaram com suas vidas em acidentes automobilísticos.
Vidas poderiam ser poupadas se todos usassem cinto de segurança nas viagens rodoviárias.
Assim também funciona no âmbito da Engenharia de Segurança do Trabalho. Em nosso caso do Fulano e Ciclano, o inquieto Engenheiro não conseguia compreender como um raio pode causar um dano no quadro elétrico e ao mesmo tempo um princípio de incêndio nas proximidades dele.
Ora, se toda instalação elétrica sofresse uma falha dessas a cada raio que atingisse a estrutura, todos os dias uma refinaria iria pegar fogo, o que não ocorre (ainda bem).
A importância da análise de acidentes para implementar MEDIDAS DE PREVENÇÃO ou novas tecnologias.
Ao utilizar as técnicas e métodos de Análise de Acidentes, o Engenheiro constatou que havia uma falha no sistema de proteção contra descargas atmosféricas, o que desencadeou a falha no painel elétrico. Continuando sua investigação, viu que os trabalhadores precisavam usar um solvente extremamente inflamável que continha a substância 3-oxapentano.
Ou seja, com a falha no painel, deflagrou-se uma faísca e – combinado com a presença de vapores inflamáveis do solvente – isso foi capaz de iniciar um incêndio.
Depois, concluiu que a “sorte” foi realmente sorte, pois naquele local normalmente se armazenam outros produtos inflamáveis e as consequências poderiam ter realmente sido muito piores. Nesse caso, a boa vontade dos corajosos (e inocentes) porteiros não seria suficiente para mitigar os danos.
Por vezes, a sorte pode ser realmente sorte.
Após a análise e apuração dos fatores, iniciou-se a etapa de implementação de Medidas de Prevenção da Análise de Acidentes, cujo objetivo é reduzir a probabilidade de ocorrência desse tipo de evento (ou similar) no futuro e, como efeito, até salvar vidas.
As instalações elétricas foram corrigidas e o local de armazenamento de inflamáveis foi transferido e adequado. Também, foi constituído um plano de emergência, que continha brigada de incêndio e funções claras de cada um. Por fim, o solvente foi substituído por outro mais seguro.
Mais uma vez, o éter foi substituído e a análise de acidentes poderá salvar você, no futuro.
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