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O maior desafio da Transição Energética em curso

A civilização tem pela frente o desafio de garantir energia e qualidade de vida para quem ainda não possui acesso e para os que virão com o crescimento populacional. E ao mesmo tempo, reduzir drasticamente o consumo de combustíveis fósseis. Confira aqui a magnitude desse desafio.

Uma apresentação conjunta do próprio colunista e das transições energéticas passadas. Para ao final compreendermos qual a grande diferença da atual transição em comparação com as anteriores: a necessidade de redução de consumo em paralelo com o crescimento populacional. Algo jamais vivenciado pela civilização em escala global.

Minha estreia como colunista se dá através de uma narrativa do meu aprendizado, relação e entendimento do papel das transições energéticas nos saltos de desenvolvimento da civilização humana. Desde a agricultura até a transição que se coloca atualmente como necessária na direção de um mundo mais calcado nas energias renováveis.

Um pouco da minha trajetória

Afinal, para que vocês tenham interesse naquilo que tenho a dizer sobre a área, acho importante que me conheçam um pouco. Que saibam como eu me tornei um pesquisador, especialista e professor. E assim, estudo e leciono temas como: energias fósseis, renováveis, políticas públicas para o setor, economia da energia e do meio ambiente.

Sempre tive gosto pelo saber em diversas áreas, mas meu fascínio era maior por física e biologia. Acabei fazendo vestibular para engenharia mecânica e para biologia, e escolhendo cursar o primeiro.

Ainda durante a graduação flertei com a física. Mas optei por me fixar mesmo na engenharia por entender que um físico olha para os fenômenos de transformação da energia visando compreendê-los e explicá-los, enquanto nós engenheiros visamos dominá-los para assim utilizarmos esses processos para um propósito.

Todo processo para obtenção de um produto ou serviço entrega também rejeitos

Ou seja, olhamos para toda atividade humana, em especial para produtos ou serviços, como podendo ser modelada e entendida por um processo que depende de insumos para nos entregar um efeito desejado.

Podemos ainda quebrar estes insumos entre duas parcelas: as matérias-primas, e energia ou trabalho.

Enquanto que para obter os efeitos desejados, também são entregues outros efeitos que não eram o objetivo, podendo ser positivos ou negativos. E em última instância, tudo aquilo que não tem serventia, torna-se enfim rejeito.

Sendo assim, grande parte do desafio da humanidade, até mesmo do ponto de vista biológico e evolutivo (e isso se expande pros demais seres vivos) é energético. O balanço alimentar: como ser mais eficiente na relação entre o gasto de energia para se obter alimentos, e o quanto o alimento fornece de energia.

Além de alimentos, a agricultura nos provê tempo

E a agricultura e pecuária nascem daí. Nascem do objetivo de diminuir o tempo despendido em traslados, caçadas e coletas de alimentos, por um cultivo que ocorresse no entorno de suas habitações.

Essa grande revolução traz inúmeros efeitos, dentre eles:

  • Maior produção per capita de alimentos, garantindo a sobrevivência de mais pessoas;
  • Os excedentes de produção passam a poder ser trocados com outras pessoas e territórios, levando ao início do comércio;
  • O tempo ganho com esse aumento de eficiência na obtenção dos alimentos torna-se tempo livre! E essa liberdade passa a ser utilizada na criação e invenção de ferramentas, processos, escrita… Estando intrinsicamente ligada ao desenvolvimento da civilização.

Ao demandar de recursos naturais e descartar os mais variados rejeitos de volta para o meio, percebemos que estamos circunscritos dentro de limites do planeta.

E foi essa percepção que me motivou a buscar na pós-graduação um curso interdisciplinar. Curso este que abrangesse conceitos de economia, biologia, meio ambiente. Mas que ainda estivesse dentro da engenharia, visando compreender essa intrincada faceta multidisciplinar do setor energético.

E assim, em meu mestrado em Planejamento Ambiental, foquei meus estudos na discussão da finitude do petróleo. E que à época expandia suas fronteiras tecnológicas de exploração a petróleos até então chamados de não-convencionais. Eram as areias betuminosas do Canadá e a descoberta do pré-sal brasileiro.

Vivemos ainda a era do Petróleo

Pois antes de entendermos os papéis das energias alternativas, é essencial compreendermos primeiramente o histórico e estado que se encontram as principais e já consolidadas fontes de energia.

Sejam estas fontes, renováveis como a hídrica, de baixíssima emissão de carbono como a nuclear, ou os combustíveis fósseis que dominam o consumo mundial desde o início do século XX.

Tanto que mais de 80% de toda energia consumida no mundo ainda vem de combustíveis fósseis. Para deixar de lado os efeitos da pandemia, observemos a matriz energética mundial em 2019, conforme dados apresentados no Gráfico 1 proveniente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

Matriz Energética Mundial por Fontes 2019
transição
Gráfico 1. Fonte: EPE (2021)

Portanto, retornemos a meados do século XIX. O planeta tinha pouco mais de 1bilhão de habitantes e praticamente toda a energia usada pela sociedade vinha da queima de biomassas. Na época, gordura animal e óleos (como o de baleia) eram usados para iluminação em velas e lamparinas, Enquanto a lenha era queimada para cocção, aquecimento doméstico, e em fornos para processos de fabricação.

É essencial compreender a transição que levou ao domínio dos combustíveis fósseis

Vem então a Revolução Industrial, alavancada pelos avanços nos projetos das primeiras máquinas a vapor operacionais de grande porte, que movidas pelo abundante carvão presente no Reino Unido, transforma suas indústrias.

Sendo a têxtil o maior exemplo, que leva o Reino Unido a se tornar a grande economia mundial e muda as relações comerciais internacionais.

A partir daí, o carvão suplanta a lenha, se tornando o principal energético mundial de 1900 até aproximadamente a década de 60. Quando chega ao fim a era do carvão e se inicia a era do petróleo, fonte dominante desde então, e ainda hoje responsável por mais de 30% da demanda energética mundial.

E em 2009, depois de um contexto de turbulência do preço do petróleo, que disparou de 2007 a 2008, despencando logo em seguida, foi quando entrei no meu doutorado. Nele, me debrucei no estudo de políticas públicas voltadas para fontes renováveis.

Essa trajetória ajudou a moldar o pesquisador que sou, que nutre curiosidade por entender um pouco de cada fonte, e principalmente, como elas se interrelacionam, podendo haver complementariedade, competição, sinergias vantajosas, e por vezes, desvantajosas.

A atual transição energética precisa substituir os fósseis por renováveis

De acordo com definição da Agência Internacional de Energia (AIE), a atual transição energética “é uma rota de transformação do setor energético global baseado em energia fóssil para um setor baseado em zero-emissões líquidas de carbono para a segunda metade deste século.” (em tradução livre).

Entretanto, há uma forte distinção entre as transições energéticas já vividas, e brevemente citadas aqui, e a transição energética que é proposta como essencial para a manutenção da estabilidade dos ecossistemas e de toda nossa civilização diante de um pequeno aumento da temperatura média global.

“transição energética é uma rota de transformação do setor energético global baseado em energia fossil para um setor baseado em zero-emissões líquidas de carbono para a segunda metade deste século”.

Agência Internacional de Energia.

Em todas as transições anteriores, a principal fonte energética até então perde seu posto para uma nova fonte emergente, mas não sofre um drástico decréscimo de consumo. E no caso do carvão, manteve-se até em crescimento.

Essas transições podem ser visualizadas no Gráfico 2, que compila o consumo de energia primária por fontes desde 1800 até os dias atuais. Adaptado de “Our World in Data“.

Consumo de Energia Primária por fonte de 1800 a 2019
transição
Gráfico 2. Fonte: Our World in Data (2021)

Enquanto para a transição energética em curso, os principais organismos internacionais e centros de pesquisa*, afirmam que a era das renováveis precisa vir acompanhada de um despencar do consumo de todos os combustíveis fósseis, principalmente de carvão e petróleo**. Tal efeito jamais foi vivenciado de modo estrutural em nossa história!

Estamos longe de abandonar o carvão, cujo pico de consumo se deu na década passada

Vale apontar, que apesar do carvão ter caído para a 2ª posição há mais de 50 anos, seu consumo em valores absolutos continuou aumentando até recentemente. Dependendo da metodologia aplicada, o ápice do consumo global de carvão foi atingido entre 2013 e 2014.

É verdade que se observarmos esse consumo per capita, o carvão teve sim redução. Por outro lado, o aumento da população mundial mais do que compensou essa queda.

Vale apontar que ainda hoje existem cerca de 1 bilhão de pessoas abaixo da linha da pobreza. E que as projeções estimam que a população suba dos atuais 8 bilhões de habitantes para 10bi em 2050.

A civilização tem pela frente o desafio de garantir a ascensão social aos marginalizados e a qualidade de vida para os que já possuem. Enquanto em paralelo tem de reduzir o consumo dos principais insumos energéticos de alta emissão de carbono.

Ou seja, o desafio é realmente imenso. E desdobramentos deste tema ainda nortearão várias colunas que trarei para você, leitor.

Além disso, abordaremos nos próximos meses pautas político-econômicas diretamente relacionadas ao setor de energia.

Trataremos de dados sobre diferentes fontes e seus impactos ambientais. Conheceremos as novas fronteiras tecnológicas.

E tudo isso com objetivos de construir conscientização, desmistificar preconceitos (pois não há fontes perfeitas nem soluções milagrosas), e gerar reflexões em torno das nossas ações como cidadãos, estimulando o surgimento de soluções.

Um abraço a todos e até breve.

Continue lendo outras matérias do Blog

*como a própria AIE, a ONU, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), IRENA (Agência Internacional de Energias Renováveis).

** existem estudos propondo que o Gás Natural pode ser bem mais danoso do que se pensava até então devido a gases de escape, mas esse assunto não é o foco da coluna de hoje.

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