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Engenheiro cria gambiarras que salvam vidas

José Gómez-Márquez trabalha no templo da ciência mundial, o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos Estados Unidos. A instituição lidera pesquisas em áreas como robótica, moléculas sintéticas e linguagem artificial. Mas você não vai ver nenhum aparelho mirabolante no laboratório do engenheiro hondurenho. Aos 35 anos, ele passa o dia às voltas com prendedores, remendos, canos e peças de Lego. Parece um monte de gambiarra — mas, na verdade, são soluções médicas de baixo custo, que têm ajudado milhares de pessoas nos países em desenvolvimento.

Com um filtro de café, Gómez-Márquez bolou um instrumento para controlar medicação antituberculose. Fez um inalador com uma bomba de bicicleta. Transformou um helicóptero de brinquedo num inalador para asma e acoplou canos a um desentupidor de pia para produzir uma centrífuga portátil. Em lugares onde falta grana, essas engenhocas fazem a diferença entre a vida e a morte.

O problema não é só a falta de aparelhos médicos. Às vezes, doações de aparatos caros podem acabar não sendo muito úteis. “Cerca de 90% dos equipamentos médicos que usamos na América Latina são doados por países ricos. E 80% deixam de funcionar após 6 meses”, diz Gómez-Márquez. Isso porque eles não foram desenhados para funcionar em ambientes com goteiras que geram curto-circuito, onde não há gerador para suprir apagões e não existem peças de reposição. “É como doar um Rolls Royce velho para desbravar o Amazonas. Ninguém sabe como mantê-lo no meio da mata. Minha equipe busca fazer os Land Cruiser da medicina. Você não vai ter problemas com carros assim.”

Seria arrogante dizer que só o pessoal do MIT pode inventar esse tipo de coisa. Nas visitas que faz a Honduras e outros países da região, Gómez-Márquez encontra outros cirurgiões e enfermeiros que seguem esse exemplo e também desenvolvem soluções criativas para seus problemas. “Nos emociona poder cooperar com eles. Queremos dar-lhes condições para se tornarem colaboradores.”

Para isso, Gómez-Márquez dirige no MIT o programa IIH (sigla em inglês para Inovações em Saúde Internacional), uma rede de laboratórios em 12 lugares do planeta — do Peru ao Paquistão. E as parcerias têm dado frutos. Na Nicarágua, sócios conseguiram fundos do Banco Interamericano de Desenvolvimento para seus projetos. O país foi também palco do lançamento do Medikit, um kit que auxilia profissionais de saúde a desenhar protótipos. O produto, parecido com uma maleta de ferramentas cheias de peças de Lego, faz com que os médicos consigam montar aparelhos de exames e de tratamento simples, baratos e difíceis de quebrar (ou descartáveis).

O IIH abriga gente de todas as partes. O mago da óptica, por exemplo, é o mexicano Paulino Vacas Jacques, da Escola de Medicina de Harvard. “Em meu dia a dia num laboratório de fotônica [que gera e maneja partículas de luz], vejo como é caro desenvolver tecnologia. Mas vir de um país latino-americano me ajudou a entender que soluções complexas não são indispensáveis. E o trabalho de inovação do IIH é um exemplo disso.” Não se trata de gerar gadgets, diz Jacques, mas permitir que médicos atendam às necessidades de seus pacientes com equipamentos de baixo custo. Por menos de US$ 100, por exemplo, o grupo conseguiu fazer um espectrofotômetro — instrumento que mede componentes químicos de uma solução e que pode chegar a custar milhares de dólares.
Mas dar uma de MacGyver da medicina tem lá suas dificuldades. Uma delas é convencer os médicos locais sobre o valor das coisas simples. Quando recebem a visita de Gómez-Márquez, muitos se preocupam em mostrar inventos avançados. Já teve doutor que criou aparelho com raio laser — bacana, é verdade, mas um despropósito em zonas que carecem de eletricidade.

Pense bem: para que desenvolver, por exemplo, a melhor seringa se não há enfermeiros para utilizá-la? Foi com essa ideia que o IIH bolou o Aerovax, um dispositivo de vacinação por inalação, que dispensa seringa e agulha.

Gómez-Márquez pratica ciência com o pé no chão. “Sempre haverá aquele que não vai achar interessante o que fazemos, dizendo que prefere ser astrofísico”, diz. Ele devolve o comentário com uma pergunta. “O que é mais difícil: desenvolver uma incubadora para crianças que funcione no sertão com um orçamento de US$ 1 mil, ou manter um astronauta numa cápsula por US$ 5 milhões?”

No olho do furacão

Gómez-Márquez superou desafios até chegar ao MIT. O primeiro foi com dois dias de vida: prematuro, precisou ser operado porque seu sistema respiratório não estava bem desenvolvido. Os médicos da cidade natal, Tegucigalpa, não tinham muita esperança. “Fizeram meu atestado de óbito e compraram meu caixão. Fui salvo pela intervenção médica e a ajuda de Deus.” Essa história marcou seus passos nos anos seguintes. O hondurenho gostava de números e das leis da física, mas tinha fascínio mesmo pela medicina, o que foi ajudado pelo fato de crescer numa família de médicos. Aos 20 anos, porém, ele foi estudar engenharia em Atlanta, nos EUA. Como muitos jovens, ele confessa que ainda não sabia direito o que queria da vida. Quando José cursava o segundo ano de engenharia, o furacão Mitch devastou Honduras e boa parte da América Central. O pai perdeu a casa. Com o dinheiro minguando, parecia impossível manter os estudos no exterior. A sorte foi que o governo americano deu permissão de trabalho aos atingidos pelo ciclone.

Gómez-Márquez arranjou emprego numa companhia de investimentos e pôde terminar seu curso. Em pouco tempo, porém, viu que precisava focar no que realmente gostava: ciência e medicina. Ele se inscreveu num concurso de ideias do MIT, venceu 3 competições e garantiu seu lugar na instituição. Hoje, encara a ciência de forma totalmente prática. Experimentos sem potencial de causar impacto social e fazer a diferença para as pessoas, em sua visão, não passam de curiosidades.

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