Recentemente entrou em vigor a Resolução Consema nº 461/2022 no estado do Rio Grande do Sul, trazendo um grande avanço para a destinação de um dos maiores problemas do saneamento, o lodo das estações de tratamento de água.
A resolução, pioneira no assunto, legalizou critérios e procedimentos para o uso de lodos de Estações de Tratamento de Água para fins agrícolas. Logo, a resolução sananou um grande “GAP” existente na destinação destes resíduos.
Neste artigo, elaborado em parceria com o nosso colunista e Engenheiro Agrônomo Guilherme Matos, vamos discutir sobre as soluções que a Resolução traz para o meio ambiente e à agricultura. Vamos lá?
Mas o que são as Estações de Tratamento de Água?
As estações de tratamento de água (ETAs), são estruturas de engenharia hídrica utilizadas para transformar a água “bruta” em água “potável. Desta forma a estação busca deixar a água apropriada para o consumo humano atendendo os padrões de potabilidades estabelecidos pelo Ministério da Saúde.
Além de tornar a potabilidade possível, as ETAs também buscam:
- Prevenir a veiculação de doenças hídricas veiculadas por origem microbiológica ou química;
- melhorar os parâmetros organolépticos (cor e o odor) aumentando a aceitação do consumo;
- Prevenir a cárie dentária por meio da inclusão de flúor (Portaria MS 635/1975);
- Proteger os sistemas de abastecimento de água de efeitos corrosivos (acidez) e de deposição e incrustação (alcalino)
Processos convencionais de tratamento de água
As ETAs convencionais, possuem basicamente 5 (cinco) etapas, sendo: Mistura rápida, Floculação, Decantação, Filtração e Desinfecção. Neste artigo não entraremos no mérito de cada etapa, porém, falaremos brevemente sobre as etapas de decantação e de filtração.
De forma sucinta, a decantação convencional baseia-se no processo de separação dos sólidos contidos na água, do líquido por meio da ação da gravidade. Já a filtração atua como uma barreira “física”, passando a água por um meio poroso capaz de retirar as suas impurezas.
Beleza Felipe, e porquê você falou apenas da Decantação e da Filtração?
Pois é caro leitor, pois são nessas etapas que são geradas a grande parte de resíduos de uma estação de tratamento de água.
E este problema tem afetado todo o nosso país! Sendo que no Brasil, a maioria das ETAs lançam os lodos gerados de volta ao rio, sem qualquer tratamento prévio.
Além disso, as estações que não lançam no curso d’agua, devem encaminhar os lodos para disposição final em aterro sanitário. Pois o o lodo é classificado como um resíduo sólido não inerte pela NBR 10.004, aumentado o custo de operação desta obra da engenharia.
Para termos uma base, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) estima que há em geração média de de 90 ton/dia de lodo por ETA em operação no estado de São Paulo. Agora imagine que temos cerca de 5.564 estações espalhadas pelo Brasil (IBGE). Ou seja, a grosso modo, produzimos 500.760 toneladas por dia, ou, 180.774.360 toneladas de lodo por ano, bastante não?
E de que forma a nova Resolução CONSEMA 461/2022 pode auxiliar a agricultura e o meio ambiente?
A Resolução traz um avanço para o tema no país, ao que definir os critérios e procedimentos para o uso de lodos gerados em estações de tratamento de água (LETAs) e seus produtos derivados em solos, beneficiando diretamente a agricultura e o meio ambiente.
Atendendo os padrões exigidos pela resolução, grande parte dos lodos produzidos poderão ser direcionados para o uso agrícola. Desta forma, haverá uma diminuição considerável da carga lançada nos recursos hídricos e também os volumes de lodo destinados aos aterros sanitários, melhorando a sua reutilização.
Convido agora, meu amigo e especialista no assunto para falar sobre os benefícios que a resolução pode trazer para a agricultura e a cidade.
Um casamento perfeito?
Nosso país, infelizmente, é altamente dependente de fertilizantes. Seja ele mineral ou orgânico, para que haja produção agrícola e pecuária no Brasil são nescessários fertilizantes, já que o solo brasileiro sofre erosão climática por muitos e muitos anos. Assim, de forma geral, temos solos com baixa fertilidade, baixas fontes de matéria orgânica e ácidos, que dificultam o plantio de culturas e pastagens.
O aumento populacional está ocorrendo a cada dia que passa, bem abaixo de nosso nariz: Atualmente, a taxa de crescimento da população mundial é de 1,1% (ONU, 2020). A projeção da ONU é que o mundo atinja o valor de 8,5 bilhões de habitantes em 2030 e 9,7 bilhões em 2050. A população mundial atual é de 7,8 milhões de habitantes e segue um ritmo de crescimento.
Agora, pense comigo! Imagine usar toda uma parte do resíduo gerado somente pela população do nosso país para suprir a demanda de fertilização, ainda mais quando estamos em uma crise no setor de fertilizantes, é o casamento perfeito!
Como e onde LETAs pode ser utilizado?
Seguindo o artigo 2° da resolução do CONSEMA 461/2022, pode ser usado das seguintes formas:
I – Aplicação no solo: ação de aplicar LETAs ou produtos derivados uniformemente, podendo ser aplicado sobre a superfície do terreno seguida de incorporação ou sulcos/covas, em mistura com o solo, com fertilizantes, condicionadores de solos ou substratos para plantas;
II – Áreas de aplicação de LETAs: áreas em que LETAs ou produtos derivados são aplicados;
III – Carga máxima acumulada de substâncias inorgânicas: quantidade máxima de substâncias inorgânicas, em kg/ha, acumulada ao longo de todas as aplicações de LETAs em solos, que determina o impedimento de novas aplicações;
VI – Correção: processo que altera os LETAs, tornando-os aptos para o uso em solos, não apresentandopotencial de contaminação do meio ambiente;
V – Estação de Tratamento de Água (ETA): conjunto de unidades destinadas a adequar as características da água aos padrões de potabilidade;
VI – LETA corrigido: LETA ou produto derivado que não apresenta potencial de contaminar o solo, de acordo com os níveis estabelecidos nesta Resolução;
VII – Lodo de estação de tratamento de água (LETA): subproduto sólido ou semissólido da ETA, formado pelos sólidos suspensos originalmente contidos na água bruta, acrescidos, ou não, de produtos resultantes dos reagentes aplicados durante o processo de tratamento;
VIII – Lote de LETA ou produto derivado: quantidade de LETA ou produto derivado destinada para aplicação no solo, gerada por uma ETA;
IX – Produto derivado: produto destinado à aplicação no solo que contenha lodo de estação de tratamento de água em sua composição e que caso seja composto de outros materiais, estes sejam de uso consolidado na agricultura e não ofereçam risco ao ambiente;
X – Taxa de aplicação: quantidade de LETA ou produto derivado aplicada em toneladas (base seca) por hectare, calculada com base nos critérios definidos nesta Resolução.
Potencial Agronômico de LETA
De cara cito aqui que estudos ainda podem ser feitos, para que seja utilizado da forma mais correta e que seja facilitado seu uso, principalmente quando o técnico tiver em mãos os parâmetros mais próximos sobre os nutrientes, pH, CTC, outros presentes no LETA, como é feito, por exemplo, com esterco animal, cama de aviários e muitos outros exemplos.
Assim, antes de qualquer aplicação deve ser feito uma analise de solo para ver as necessidades de calagem e adubação e não aplicar o LETA de qualquer forma, devemos pensar nele como um adubo por exemplo.
A recomendação é de aplicações mais superficiais nos primeiros anos, nas camadas de 0-20cm do solo, e no quinto ano de aplicação passar para camadas mais profundas de 20-40cm.
Contaminação de solos?
Vou falar uma frase que com certeza você já deve ter ouvido ou lido: A diferença entre veneno e remédio é a dose! Ou essa outra frase: Tudo em excesso faz mal!
Então, para que não seja um potencial contaminante nos solos agriculturáveis, esse material deve passar para análises de parâmetros antes de ser utilizado, assim evitando qualquer tipo de contaminação maléfico a fauna (incluindo micro biota do solo e seres humanos) e flora.
Assim, para a caracterização do LETA ou produto derivado quanto à presença de contaminantes, devem ser determinadas as concentrações dos seguintes parâmetros:
Ainda, mesmo sendo analisados esses parâmetros, o monitoramento das características do LETA deve ser anual, para garantir a seguridade de seu uso.
Para suprimir patogênos potenciais presentes no resíduo de esgoto, alguns pesquisadores tem utilizado a compostagem para suprir esse risco.
“Mesmo com a comprovação do efeito benéfico do uso do lodo de esgoto na agricultura, as legislações estaduais estabeleceram critérios que dificultaram a aplicação desse resíduo urbano. Uma quantidade muito pequena desse material tem sido usada em larga escala na agricultura não só no Estado de São Paulo, como em outras regiões do país”.
Novo mundo? Nem tão novo!
Desde a década de 80, já vem se pensando no uso do resíduo do esgoto, já que é uma fonte rica em matéria orgânica e fonte de macro e micronutrientes para as plantas(nitrogênio, fósforo, cobre ferro, manganês e zinco).
E você como vê isso? Eu, como futuro engenheiro agrônomo acredito no potencial do uso, visto que atualmente já usamos o resíduo animal (bovinos, suínos e aves) como fonte de fertilização, além dos preços atuais no mundo dos fertilizantes.