A ativista Jane Jacobs dizia que a cidade é uma eterna obra inconclusa, um imenso laboratório de tentativa e erro. Para ela, as cidades têm algo a oferecer às pessoas apenas porque, e apenas quando, são criadas e moldadas pelas pessoas. É só olhar em volta e percebemos que há uma porção de gente tentando usar seus talentos para moldar espaços urbanos em lugares melhores para viver. O que faz com que sejam bem sucedidos é que algumas cidades possuem sistemas que permitem e convidam as pessoas a fazer isso – enquanto a estrutura burocrática de outras emperra e desencoraja esse processo criativo.
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A boa notícia é que São Paulo vai ganhar uma plataforma para que os paulistanos proponham ideias para sua cidade chamada Sampa Criativa, uma iniciativa do SescSP, SenacSP e da Fecomércio. Nesse portal poderão entrar iniciativas como a da minha amiga Carolina Ferrés, que está tentando convencer uma incorporadora imobiliária na Vila Madalena, em São Paulo, a trocar um muro por uma cerca verde, para criar uma superfície mais interessa
Também haverá espaço para o projeto do artista plástico Ciro Schu e do orquidófilo Alessandro Marconi, que criam esculturas de madeira com orquídeas plantadas pela cidade. O vídeo que mostra o trabalho deles me deixou emocionada ao ver dois homens sensíveis e lindos plantando respiros de beleza em uma cidade tão cinza.
A verdade é que depois de passar um ano percorrendo 12 destinos pelo mundo entrevistando urbanistas, políticos, empresários e ativistas, as iniciativas mais interessantes que encontrei eram como essas da Carol, do Ciro e do Alessandro: vinham das pessoas que estavam experimentando ideias e testando as vocações das suas cidades. E aí percebi que, quando se trata da gestão política de uma cidade, os bons projetos não são só os que envolvem uma ideia para resolver um problema.
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São principalmente os que criam sistemas para que as ideias das pessoas sejam testadas e incorporadas ao processo de planejamento urbano. Como diz o pesquisador e escritor Augusto de Franco, inovação não é ter uma ideia genial, é criar um ambiente que permite que a inteligência coletiva aconteça. Em outras palavras, as cidades brasileiras precisam de sistemas para que a Carol, o Ciro e o Alessandro possam testar e melhorar progressivamente suas ideias para transformá-las em modelos replicáveis. E espero que essa lacuna seja preenchida pela Sampa Criativa.
Quando me perguntam qual o projeto mais bacana que conheci com o Cidades para Pessoas sempre cito o Instituto de Sustentabilidade de Portland, que tem como função conectar os setores que moldam a cidade. O instituto tem sedes em alguns bairros de Portland, onde faz articulações entre a iniciativa privada, as organizações ativistas, a universidade e o poder público. Nas palavras do diretor do Instituto Rob Bennet, eles “conectam os ‘queros’, ‘tenhos’ e ‘possos‘ para transformar desejos em projetos coletivos”. Foi desse sistema que a vontade de morar em uma cidade mais agradável substituindo a infraestrutura cinza (concreto e asfalto) por verde (concreto permeável e canteiros de plantas) se transformou no projeto Grey to Green. Como em Portland chove muito, a água que corria por cima do asfalto chegava muito poluída ao rio Williamette, que corta a cidade. Agora, com estruturas permeáveis, a água se infiltra aos poucos no solo e chega muito mais pura aos lençóis freáticos. Era só isso que faltava para que o processo de despoluição das águas do Williamette, que começou há 30 anos, chegasse a um nível em que as pessoas pudessem nadar no rio novamente. Foi a criação desse sistema onde ideias podem ser testadas que permitiu que as pessoas possam agora nadar no rio durante o verão.
O sociólogo Robert Park diz que “a cidade é a tentativa mais bem sucedida do homem de refazer o mundo em que vive mais de acordo com os desejos do seu coração. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou, é também o mundo em que está condenado a viver daqui por diante”. Sistemas centralizados em que poucas pessoas tomam as decisões que moldam a vida de muitas tendem a nos deixar reféns de uma cidade ruim. Sistemas que, ao contrário, permitem que a inteligência coletiva se manifeste, tendem a nos devolver o direito à cidade que, nas palavras do geógrafo David Harvey “não é um direito individual de ter acesso aos recursos urbanos, é um direito coletivo de mudar a cidade e, em última instância, mudar a nós mesmos”. Espero que estejamos nesse caminho.
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