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Qual é a função de uma Análise de Acidentes?

Após um trágico evento, é comum buscar a entender quem foram os culpados. Isso pode-se dar talvez por uma associação com notícias sobre crimes, que são diariamente veiculadas. Do ponto de vista da Análise de Acidentes, não é isso o que realmente queremos.

Entretanto, quando há repercussão em mídias, não podemos deixar de lado que a polêmica é um forte argumento para se obter audiência. Logo, são destacadas expressões como “busca por justiça” e “responsáveis”, por exemplo. Faz parte do negócio.

Dessa forma, normalmente se ouvem  frases parecidas, assim como a indigesta descrição do acidente, seguida por entrevista a autoridades de segurança pública na busca imediata do motivo e culpados do acidente.

“Os técnicos da autoridade regional irão iniciar imediatamente a investigação do acidente”.

Seja aqui ou em qualquer outro país, o roteiro é praticamente o mesmo. Talvez até a música de fundo do programa vespertino seja a mesma. Tempos depois, a notícia não ocupa o mesmo espaço. As investigações não são liberadas no tempo em que se espera. Então, sai um documento enorme, detalhado, porém seguido da reflexão interna:

“Mas eu nunca vejo pessoas sendo presas depois que saem os relatórios”.

Essa talvez seja um dos paradigmas dessa ciência: de que Análise de Acidentes serve para apontar os culpados. Ainda que se pareça frio para com as vítimas, quem aponta culpados é a justiça. Nesse órgão, são asseguradas as garantias jurídicas às partes da ação, inclusive as de se defender. É claro que o Judiciário pode usar o relatório de Análise de Acidentes, mas a Engenharia deve-se manter no seu quadrado quando lida com um evento adverso desses.

Afinal, pra quê serve uma Análise de Acidentes?

Já vimos aqui que uma análise de acidentes pode-nos salvar. Em termos técnicos e de maneira (muito) resumida, a Análise de Acidentes identifica os fatores que levaram ou contribuíram para ocorrer o evento adverso e propõe medidas de controle. Em outras palavras, ela deve responder às seguintes:

  • O que aconteceu;
  • Como aconteceu;
  • Por que aconteceu;
  • O que poderia ter evitado ou reduzido as consequências;
  • O que se pode fazer para evitar novos eventos similares.

Embarcando no exemplo da aviação civil comercial, é inegável que falamos de um meio de transporte muito seguro, mas essa segurança não veio sem custos humanos. Um dos fatores que caracterizam essa solidez no transporte aéreo é que ocorrem sistematicamente procedimentos de Análise de Acidentes e Incidentes.

Quem já voou de avião deve-se lembrar de quantas nuances e detalhes tem toda a operação. Pode-se perceber que se buscam as melhores técnicas e procedimentos para assegurar que o melhor está sendo aplicado: desde a profissional de Nutrição que vê a refeição embalada segundo práticas seguras até a Engenheira Civil que “bate o olho” e reconhece a solidez de estruturas de apoio. Para que se torne (e se mantenha) seguro, esse segmento abrange diversos aspectos quando realiza uma análise de acidentes e incidentes: Projeto, Execução, Operação, Manutenção, Treinamento, Seleção de Pessoal etc.

A Análise deve ser tão profunda a ponto de se chegarem a fatores que, se modificados, impedirão ou reduzirão em muito as chances de se ocorrerem eventos similares.

Michel Llory et al, em admirável obra sobre o tema, afirma:

A análise organizacional, permite, de modo potencial, fazer avançar a análise tanto quanto necessário, com o objetivo de encontrar as causas realmente determinantes e, assim, tomar as medidas corretivas eficazes que permitam evitar outras catástrofes, diferentes nas suas modalidades, mas que têm, fundamentalmente, as mesmas causas.


Então eu tenho que fazer minha análise de acidentes igual à da aviação?

A resposta é não e sim ao mesmo tempo.

Evidentemente que a maioria dos eventos adversos não está relacionada a sistemas tão complexos quanto da Aviação ou de uma Planta de Energia Nuclear. Logo, a não ser que sua organização seja tão complexa quanto esses, o relatório não será do tipo de “mil páginas”.

Por outro lado, as análises acidentes também devem ir além das causas mais óbvias, chamadas imediatas, que são aqueles fatores mais próximos ou lógicos que levaram ao acidente. Dessa maneira, o profissional que realiza a Análise de Acidentes deve chegar aos fatores que realmente foram determinantes para ocorrência. Logo, em sistemas ou organizações mais simples, a chegada a esses fatores tende a ser mais simples também.


exemplo da infância

É como o tradicional caso da primeira juventude em que dois amigos estavam em mais uma das corridas dominicais de bicicleta e ambos “levaram um capote memorável” ao passarem muito perto (“tirando fina”) de um caminhão parado. Por sorte, saíram com somente arranhões e as magrelas raladas.

Os espectadores, que seriam os próximos a correr, sabiam que por pouco os dois ases não deram com a cara na caçamba do caminhão, o que poderia ter sido muito pior.

Após o susto, conversando na calçada (ou já iniciando a Análise do Acidente), um dos sortudos, no auge de sua confiança, apenas falou que “devia ter areia no chão por causa do caminhão. Não preciso fazer nada, pois não vai acontecer de novo”.

O outro, que tinha por hobby desenhar aviões, foi além: reconheceu que estavam rápido demais, que deveriam ter visto antes se não havia carros ou sujeira na “pista de corrida” e que sua bicicleta não estava muito boa, além de ele saber que o machucado poderia (ou deveria) ter sido muito pior.

Então, ele parou de correr (tanto), arrumou sua bicicleta e comprou um capacete além de verificar antes o trajeto. Ou seja, reconheceu os fatores que contribuíram para a ocorrência e já tomou medidas de prevenção.

Quem tem mais chance de sofrer mais um acidente ou se machucar: o sortudo ou o desenhista?

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