Muito se fala sobre o uso do BIM, em “substituição” às plataformas CAD. E uma das vantagens no uso BIM, muito difundida por seus defensores, é que, se corretamente utilizado, o BIM gera tabelas de quantitativos que podem ser utilizadas na elaboração das planilhas orçamentárias.
O uso de plataformas BIM para modelagem permite, ainda, a vantagem de se exportar essas tabelas diretamente para muitas plataformas de orçamentação, que já correlacionam os dados das tabelas de quantitativos geradas em BIM com os bancos de dados das plataformas de orçamentação, gerando automaticamente as planilhas orçamentárias.
Com base no descrito acima, muitos creem que não haverá, num horizonte relativamente próximo, a necessidade de profissionais de orçamentação.
A pergunta que se faz, no contexto acima, é: o uso combinado de plataformas de orçamentação e modelagem em BIM vai tornar o orçamentista desnecessário?
Neste artigo, vamos estudar as atividades que podem ser atingidas por esse processo de interação entre plataformas, e se, nesse contexto, restarão atividades que ainda dependerão de ação humana direta.
A evolução das tecnologias e a intervenção humana na operação
Para que possamos entender melhor como a evolução das tecnologias influencia na necessidade da intervenção humana em qualquer atividade, gosto de usar como exemplo a evolução das tripulações de avião.
Nos aviões mais antigos, as tripulações eram compostas por:
- Comandante e copiloto, responsáveis pelo comando efetivo do equipamento e condução pela rota pré-determinada;
- mecânico de voo, responsável pelo funcionamento dos sistemas de apoio e pelo controle dos motores e da manutenção dos status operacionais dos sistemas em voo e em solo;
- navegador, responsável pela definição de rota e controle de rota em voo;
- radiooperador de voo, responsável pela comunicação, com solo e entre aeronaves;
- comissários, responsáveis pela segurança dos passageiros em cabine e pelo suporte de hospitalidade.
E o que vemos hoje?
Atualmente, com a evolução dos sistemas de controle e de comunicação, e da própria engenharia aeronáutica, foram eliminados os profissionais que atuavam nas atividades de apoio (radio-operador de voo, depois o navegador e, por último, o mecânico de voo), restando piloto/copiloto e comissários.
Hoje, seria possível, a rigor, conduzir a operação da aeronave sem nenhum operador (vide os drones). Todavia, apesar de haver estudos no sentido de eliminar o co-piloto, deixando parte da operação a cargo de sistemas remotos, há forte resistência por parte dos operadores aeroportuários, em função de situações excepcionais durante o percurso.
Da mesma forma, a diminuição no número de comissários por voo é tratada com muito cuidado, justamente porque o comissário é a interface humana dentro do avião.
Dessa forma, podemos entender, em situações análogas, que a tecnologia elimina atividades auxiliares, mas reforça a presença humana nas atividades principais. E aí, fica a pergunta: o que o BIM elimina (a necessidade de quantificação) pode ser entendido como atividade auxiliar ou como atividade principal?
A evolução das plataformas de projeto (CAD x BIM)
Neste momento, estamos vivenciando a transição entre dois modelos:
· o vigente nas últimas décadas, em que se desenvolve o projeto/desenho no computador (AutoCAD, da AutoDesk, ou similares);
· a nova fase, em que se modela a construção em meio virtual e, a partir dessa modelagem, gera-se o desenho (as plataformas BIM, dentre as quais destaca-se o REVIT, da AutoDesk).
No conceito emimplantação, peças, modelos e elementos são definidos na plataforma BIM, diferente dos projetos em CAD, em que nos atemos à geometria das peças.
O reflexo imediato dessa nova filosofia de projetar é que o arquivo de projetos já lista os componentes projetados, permitindo que o sistema liste todos os elementos projetados, desde que corretamente modelados. E aqui reside o primeiro fator de risco do uso de tabelas geradas em plataformas BIM.
É comum nos depararmos com dois perfis de usuários BIM:
- aqueles cujo conhecimento em BIM não lhes permite uma modelagem profissionalmente aceitável, muitas vezes impedindo o uso das tabelas geradas;
- aqueles que sabem trabalhar com o sistema, mas que, ao se deparar com elementos não-modelados, fazem ajustes que viabilizam a emissão dos desenhos, mas que resultam em tabelas muitas vezes repletas de falhas, prejudicando a confiabilidade do produto apresentado.
Com base nos dois perfis acima, temos que, por mais que as tabelas resumo geradas auxiliem o trabalho de orçamentação, a capacidade de enxergar falhas e fazer os ajustes necessários do profissional à frente da orçamentação fica ainda mais necessária.
Elaborar uma proposta é somente montar planilhas?
Além das deficiências na modelagem que resultam em demandar um profissional que tenha a visão necessária para entender as tabelas geradas e fazer os ajustes onde necessários, há que se observar que uma proposta orçamentária vai muito além da planilha em si. Se não, vejamos.
Uma proposta que viabilize seu fechamento/negociação com segurança deve ser composta por:
- uma planilha orçamentária que retrate fielmente os serviços necessários para o pleno atendimento do escopo solicitado;
- uma modelagem de negócio que traga em si as alternativas de contratação de fornecedores, uma visão de gestão dos subcontratados e uma estrutura de interface comercial com o cliente;
- uma estrutura documental que concatene todas essas informações, numa linguagem clara e objetiva.
Assim sendo, por mais que possamos utilizar as quantidades geradas em BIM, o entendimento dessas informações e da melhor forma de utiliza-las é o que, de fato, vai viabilizar uma proposta campeã.
E o uso de planilhas orçamentárias geradas a partir de programas de orçamentação, com base em tabelas diretamente extraídas do BIM?
Não tem como negar o alivio de trabalho (e que trabalho!) que extrair a planilha direto de sistema traz. A grande vantagem dessa geração automática é a facilidade que traz nos processos de análise em geral.
Mas a atenção se faz ainda mais necessária, uma vez que vai ser necessário conferir eventuais ajustes a partir de trabalhos praticamente prontos.
E quando eu ainda não tenho um projeto em BIM? Ou pior, quando eu ainda não tenho projetos executivos que me permitam extrair números?
Ao contrário do que muitos imaginam, a grande maioria dos orçamentos são feitos sem que tenhamos todos os projetos em mãos. É muito comum negociarmos obras em que não temos ainda os projetos de instalações ou até mesmo, muitas vezes, os estruturais, por exemplo.
Neste caso, o domínio pleno das ferramentas disponíveis faz a diferença entre um profissional que fecha obras com segurança, e um que se aventura. É possível, com base em tabelas de correspondências em obras similares, apresentar uma estimativa com grau razoável de precisão, desde que fique claro para o cliente o grau de precisão da documentação apresentada.
Então…o BIM vai acabar com a profissão de Orçamentista?
A melhor resposta, ao meu ver, é: não existe forma de isso acontecer! Observa-se, atualmente, que as profissões ligadas a vendas tendem a ter menos profissionais, porém aqueles se estiverem preparados para a nova realidade tendem a ser cada vez mais valorizados.
No caso das profissões ligadas ao processo de orçamentação de obras, em particular, cada vez mais serão valorizados profissionais que viabilizem a geração de negócios, trazendo novos modelos de negócios e de relações com seus clientes, mesmo quando o volume de informações apresentados pelo cliente não seja suficiente, em princípio.
No próximo artigo, trataremos do perfil dos profissionais que obtêm melhores resultados no fechamento de obras. Até lá!