O concreto autocicatrizante é caracterizado como àquele capaz de “curar” suas fissuras de forma autógena ou autônoma, ou seja, sem intervenção externa. A técnica proporciona selagem de fissuras e recuperação, parcial ou total, das propriedades mecânicas dos elementos estruturais. Este tipo de concreto também é conhecido como concreto auto-reparável.
Técnica permite a autorreparação de fissuras através de compostos não-hidratados do próprio sistema
Concreto, o segundo material mais consumido no planeta, perdendo apenas para a água. Para produzi-lo, precisamos, essencialmente, de cimento, agregados e água (e aditivos). O setor da construção consome grandes quantidades de recursos e energia para atender à necessidade global por infraestrutura, por isso, até 2025, a demanda mundial anual por cimento será em torno de 4,3 Gt. O cimento Portland (CP) é o material mais consumido pelo setor e para sua produção são emitidos, em torno de 3,5 Gt de CO2eq (carbono dióxido equivalente) por ano (GLOBALCEMENT, 2020).
O uso responsável de matérias-primas e a necessidade de produção de sistemas estruturais com alto desempenho e longa vida útil, fazem com que pesquisas abordem a importância de materiais autocicatrizantes para a engenharia (ALI et al., 2015; HERBERT; LI, 2013; ALSHAAER, 2020).
Uma estrutura de concreto é exposta a diferentes condições de carregamento e exposições durante seu ciclo de vida, em vista da durabilidade, o processo de autocura melhoraria a resistência dos concretos fissurados. Visto isso, o concreto autocicatrizante é capaz de detectar qualquer dano interno de forma inteligente e, em seguida, controlar a condição existente para impedir deterioração inesperada (Figura 1).
O Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) foi pioneiro no estudo do concreto autocicatrizante no Brasil, com estudos a partir de 2011. Além do ITA, grandes universidades pesquisam a técnica, como a USP, Instituto Mackenzie, Instituto Mauá, UFRJ (Rio de Janeiro), UFMG (Minas Gerais), UFRGS (Rio Grande do Sul), Unisinos, UEL (Londrina), UFPE (Pernambuco), UFBA (Bahia), UnB (Brasília) e UFPA (Pará).
Processo de autocicatrização em materiais de base cimentícias
Segundo Takagi, Lima e Helene (2014), a autocura refere-se ao potencial dos materiais de reparar e/ou cicatrizar seus próprios danos, sem a necessidade de intervenção externa. A autocura de fissuras em materiais de engenharia, por ex. concreto, pode reduzir a espessura de fissuras e, assim, conservar as propriedades mecânicas e de durabilidade (LI; YANG, 2007, REINHARDT; JOOSS, 2003).
Nesse sentido, há a possibilidade de melhorar muito a segurança e prolongar a vida útil das estruturas. Kan et al. (2019) salientam que a autocicatrização é capaz de reduzir significativamente os custos de operação e manutenção, especialmente para estruturas de grande porte, nas quais as inspeções e manutenções, de natureza contínua, são bastante difíceis de implementar.
Abordagens: autônoma e autógena
Existem dois tipos de abordagens de autocicatrização de materiais de base cimentícia: autônoma e autógena.
Autônoma
Van Tittelboom e De Belie (2013, p. 2188) descrevem que “os materiais de autocura com base em cápsulas capturam o agente de cura dentro de microcápsulas. Quando as cápsulas se rompem, por exemplo por dano, o mecanismo de autocura é acionado por meio da liberação e reação do agente de cura na região do dano”. Ou seja, a abordagem autônoma é o processo de criar microcápsulas, onde dentro dessas cápsulas é inserido materiais como epóxi, materiais bicomponentes (poliuretanos) ou bactérias que reagem e formam hidróxido de cálcio (Ca (OH)2) ou portlandita (CH).
A portlandita formada é parcialmente consumida em função das interações com os silicatos, a qual auxilia na formação do gel CSH (silicato de cálcio hidratado), que por sua vez, preenche os poros, confere resistência e demais propriedades ao concreto.
Quanto ao processo de autocura são utilizados métodos adequados a partir do tamanho das fissuras. Há fissuras pequenas com tamanho < 0,15 mm e fissuras maiores com tamanho < 0,50mm.
A Figura 2 apresenta um modelo esquemático de autocicatrização. Em (A), é possível utilizar reforço com fibras (polipropileno, vidro, carbono etc.); (B) fazer uso de polímeros superabsorventes (materiais hidroexpansivos); (C) aditivos cristalizantes e expansores (insolúveis e quimicamente estáveis que reduzam ou compensam a retração).
Autógena
A combinação de cimento e água produz um aglutinante eficiente no concreto, produto do “processo de hidratação”, no qual as partículas de cimento são chamadas de “partículas hidratadas”. No entanto, algumas partículas não hidratadas sempre permanecem na mistura, devido à falta de reação com a água. Essas partículas podem ser utilizadas para selar possíveis fissuras, através da “cura autógena”.
A cura autógena está ligada aos componentes químicos que já estão presentes na matriz cimentícia, como cimento, adições minerais e pozolanas. Ou seja, segundo Van Tittelboom e De Belie (2013), é possível ocorrer a (1) hidratação de partículas de cimento não hidratadas e a (2) dissolução e subsequente carbonatação do hidróxido de cálcio (Ca (OH)2).
Embora haja diversos materiais que podem ser aplicados nas abordagens autonôma e autógena, trataremos brevemente abaixo sobre aditivo catalisador cristalino na técnica autógena.
Aditivo catalisador cristalino
O aditivo catalisador cristalino (ACC), utilizado na abordagem autógena, é um material cimentício sintético classificado como um impermeabilizante hidrófilo ou como aditivo redutor da permeabilidade hidrostática. Os pesquisadores Sisomphon, Copuroglu e Koenders (2012) verificaram que as substâncias químicas ativas no ACC reagem com o CH para formar produtos cristalinos que desconectam poros e preenchem as fissuras do concreto. Além disso, o ACC tem sido extensivamente estudado para a supressão e controle de reações álcali-agregado no concreto (KURAMOTO et al., 2000).
Concreto autocicatrizante
Os primeiros estudos relacionados à autocura do concreto foram desenvolvidos a partir de 1994, pela pesquisadora Dra. Carolyn Dry, a qual demandou tentativas de inserir, intencionalmente, essas propriedades no concreto. Dra. Dry iniciou com a adição de fibras ocas de polipropileno preenchidas com adesivos de metil metacrilato como agente cicatrizante, com uma abordagem autônoma, as fissuras se propagavam e as fibras rompiam e liberavam o adesivo que cicatrizava a fissura de modo ativo.
Em 2005, a RILEM (The International Union of Laboratories and Experts in Construction Materials, Systems and Structures) criou o comitê técnico SHC 221 para o estudo e desenvolvimento dos “Fenômenos de autocicatrização em materiais de base cimentícia” e, atualmente, tem se dedicado à ampliação de pesquisas com as abordagens autógena e autônoma no concreto autocicatrizante (CAC).
Já no Brasil, Takagi, Lima e Helene (2014) salientam que os mecanismos de cicatrização têm a vantagem de que a ação cicatrizante pode ocorrer em estruturas de concreto que não são acessíveis para reparo, tais como: estruturas subterrâneas, pontes e barragens. Mesmo que os custos com o CAC sejam maiores, os custos de manutenção podem ser reduzidos e a vida útil de serviço das estruturas pode ser prolongada.
A Figura 3 ilustra a evolução da autocicatrização na idade de 28 dias, para 3 ambientes de exposição, água do mar, água e ciclos úmido/seco. É possível verificar o aparecimento de cristais e a selagem das fissuras.
A autocura do concreto, através das técnicas autógena e autônoma, promete prolongar a vida útil das estruturas pesadas (ex. pontes, viadutos, esculturas estruturais) e de díficil manutenção. A alta durabilidade e um melhoramento do ciclo de vida de uma determinada estrutura garante economia de energia, recursos renováveis e não-renováveis.
Obras com concreto autocicatrizante no Brasil
Entre as obras que utilizaram o concreto autocicatrizante destacam-se a laje de subpressão do Museu da Imagem e do Som e a cobertura fluida do Museu de Arte do Rio de Janeiro (Figura 4). A mais recente fica em Porto Alegre – a laje de subpressão de 20.000 m2 do complexo multiuso do Edifício Pontal do Estaleiro, a 3,3 metros abaixo do nível do Lago Guaíba (Figura 5). Ambas as obras utilizaram aditivo catalisador cristalino para a produção do concreto.