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Nutrição na Aquicultura: o que você precisa saber!

A nutrição é extremamente importante para os organismos aquáticos assim como é importante para nós humanos. Usando uma linguagem bem simples, que a professora de nutrição Débora Machado Fracalossi sempre fala “saco vazio não para em pé”, não é mesmo? Neste artigo, para te explicar melhor essa expressão, objetivamos resumir e apresentar uma visão geral da importância da nutrição na aquicultura.

E não será apenas este, teremos uma série de artigos sobre nutrição na aquicultura. E você aprenderá o porquê do animal precisar de todo um aporte de nutrientes através da dieta para poder crescer e desenvolver as suas funções vitais (ex. crescimento, reprodução). Você também irá entender sobre todos esses nutrientes essenciais que são necessários na ração de organismos aquáticos.

Mas por que a nutrição na aquicultura é tão importante?

Desempenho do animal

Fonte: Ivanilson Santos

Além dos animais estarem ganhando peso e crescendo, a proporção desses nutrientes na ração definem a composição corporal do organismo, se o peixe vai ganhando gordura ou músculo, por exemplo. E isso é extremamente importante pensando em rendimento de carcaça ou de filé para a obtenção do produto.

Os nutrientes também refletem de forma direta na conversão alimentar. Este termo significa o quanto de ração precisamos fornecer para o animal ganhar 1 kg, sendo um importante parâmetro para estudar a parte econômica da aquicultura e da nutrição.

Custo de produção

Closeup, contador, mãos, contagem, calculadora Foto gratuita
Fonte: freepik

O custo de produção também é fortemente influenciado pela nutrição.

Mas por quê?

Isso é porque a ração é o insumo que mais onera o custo de produção, ou seja, a ração é considerada o insumo mais caro na produção aquícola.

Então o que acontece?

É necessário ter cautela para escolher qual a ração para o uso, observar a qualidade dos ingredientes contidos e o quanto fornecemos para evitar desperdício, como também para promover um crescimento útil ou desejado. Rações de baixa qualidade necessitam de maior uso, enquanto rações de melhor qualidade necessitam de menor uso, o que influenciará diretamente na qualidade de água. Por isso é muito importante avaliar o custo benefício da ração selecionada.

Então esperamos que ao longo do texto (e dos futuros artigos) vocês aprendam um pouco de nossa experiência adquirida ao longo da formação sobre a importância de reconhecer uma boa dieta para sua produção.

Cada espécie tem suas próprias exigências nutricionais em termos de nutrientes. Os nutrientes essenciais são fundamentais para todas as espécies de organismos aquáticos que estudamos e cultivamos. Porém, a proporção de aminoácidos, a quantidade de carboidratos e de gordura varia de espécie para espécie. Por isso, é importante estudar e saber sobre nutrição na aquicultura.

Os artigos futuros também irão proporcionar condições de saber onde pesquisar essas informações e, assim, vocês poderão ter uma ideia de como é uma ração e aprenderão na teoria a formulá-las. E mesmo que você não trabalhe numa fábrica de ração, vocês terão condições de escolher uma boa ração para aplicar ou recomendar ao produtor.

Relação com a qualidade da água

What's in the Water: 7 Common Characteristics That Water Quality Instruments  Measure
Fonte: Jenco Water Quality Blog

Outra grande importância é que a nutrição afeta diretamente a qualidade da água. Isto é, toda ração que é adicionada na água, os nutrientes hidrossolúveis (e.g. proteína, aminoácidos) começam a se dissolver na água. Isso afetará a dinâmica daquele ambiente.

Então os nutrientes disponíveis facilitarão o desenvolvimento de algas, por exemplo, e a ração que não foi ingerida irá fermentar e, consequentemente, poderá piorar a qualidade da água, se não tiver cuidado com o arraçoamento e qualidade da ração que estamos incluindo no sistema.

Se nós imaginarmos um frango, que come sua comida e do ar retira o oxigênio. Já o peixe respira no mesmo meio onde eles retiram os nutrientes, que é a água. Então o oxigênio dissolvido na água é o qual o peixe vai respirar.

Portanto, qualquer coisa errada que fizermos na nutrição vamos prejudicar, de certa forma, o desenvolvimento dos animais e afetando o sistema de cultivo. Por isso que precisamos ter essa atenção para não arraçoar demais e/ou usar rações que não sejam adequadas para a espécie ou fase de cultivo que estamos trabalhando.

Algumas principais diferenças entre nutrição na aquicultura e outros animais domésticos terrestres:

1. Menor exigência energética

Os peixes estão dentro do grupo que chamamos de monogástricos (mono significando um; gástrico significando estômago) como o frango e o suíno, sendo diferentes dos ruminantes que são os poligástricos, que possuem o estômago onde é feita a fermentação e depois o estômago químico.

Então, se compararmos qual a grande diferença que existe na nutrição dos monogástricos terrestres e aquáticos, vamos perceber principalmente que os peixes têm menor exigência energética.

Mas o que quer dizer isso?

Eles precisam de menos energia na ração.

E por que eles precisam de menos energia?

Porque os organismos aquáticos juntamente com os anfíbios e os répteis são chamados de ectotérmicos (são organismos que não possuem uma temperatura corporal constante, variando dependendo da temperatura ambiente). Então, se esfriar a temperatura do peixe também vai baixar e o metabolismo dele irá retardar.

É importante destacar que cada espécie possui a sua temperatura ótima de crescimento. O que é diferente das aves e mamíferos, onde a temperatura é mantida constante.

Então são duas estratégias diferentes e que possuem seu sucesso, porém, essa estratégia de não manter a temperatura corporal constante permite uma economia de energia. Pois é necessário  muita energia para manter a temperatura constante.

De onde vem essa energia?

Da dieta!

Outro fato que implica essa menor exigência energética é que os animais aquáticos acabam gastando menos energia na locomoção e na sustentação na água em comparação com um animal terrestre não ter. Por isso a economia de energia.

E outra coisa que propicia uma economia energética bem importante é a excreção nitrogenada, ou seja, quando o animal ingere a proteína o excesso de nitrogênio que ele gerou vai ter que ser excretado. Os mamíferos excretam na forma de amônia, a famosa ureia. E para sintetizar a ureia gasta muita energia. Já nos organismos aquáticos a excreção nitrogenada se dá principalmente por amônia, por difusão com gasto energético bem mais reduzido.

Então são 3 as grandes economias de energia dos organismos aquáticos: não mantém a temperatura constante, gastam menos energia para se locomover e para se sustentar na água e também a excreção nitrogenada na forma de amônia requer muito menos energia.

Mas qual a implicação em ter uma menor exigência energética?

A implicação disso é que a ração terá mais proteína em relação a energia.

2. Ácidos graxos essenciais

Vista superior mão escolher cápsulas médicas Foto gratuita
Fonte: freepik

Outra diferença que temos na nutrição de organismos aquáticos e terrestres é em relação aos ácidos graxos essenciais. Enquanto os animais terrestres necessitam principalmente dos ácidos graxos da série n-6 (ômega 6), os animais aquáticos tem essa exigência pela série n-3 (ômega 3).

Em artigos futuros sobre lipídios você irá entender melhor essas exigências e como isso pode modificar a formulação de uma ração, ou seja, o tipo de óleo que precisamos usar é diferente. E o quanto mais frio for o ambiente da espécie cultivada, como uma truta de ambiente frio, mais exigência ela terá para esses ácidos graxos da série n-3.

E qual a importância disso?

É difícil achar fontes de n-3. Até recentemente a única fonte destes ácidos graxos eram as algas marinhas e o próprio peixe. Contudo, cada vez mais com um preço extremamente caro, tanto a farinha como o óleo de peixe.

Ultimamente tem se estudado as farinhas de algas para adicionar como aditivo alimentar na ração e já existem trabalhamos com isso mostrando que podemos suprir ácidos graxos da série n-3 através de alga. Inclusive, a tese de Priscila Rezende e dissertação do Colunista Ivanilson Santos fala sobre adição de macroalga como aditivo alimentar na ração do camarão-branco-do-pacífico.

Então os animais terrestres, como o gado, suínos e aves, não possuem esse tipo de exigência, assim como os peixes e os camarões precisam.

Mas isso é em função de quê?

Essa configuração da série n-3 indica onde começa as ligações duplas na molécula do ácido graxo. Então o n-3 significa que começa no carbono 3 e n-6 no carbono 6.

Começando no carbono 3 nós teremos muito mais espaço para a insaturação dentro da molécula. Normalmente os ácidos graxos da série são muito mais insaturados que os da série n-6.

Mas o que significa isso?

Significa dizer que na hora que começa a baixar a temperatura, a tilápia por exemplo, começa a inserir ácidos graxos insaturados dentro da membrana.

E por que isso?

Porque irá ajudar a regular a fluidez da membrana. Então para manter as trocas de cada célula com o ambiente, essa configuração n-3 irá facilitar muito o aumento da insaturação dos ácidos graxos que compõem os fosfolipídios das membranas. Mas calma, iremos aprender mais sobre nutrição na aquicultura com mais detalhes em outros textos que pretendemos compartilhar com vocês. E qualquer dúvida é só falar conosco.

Mas com isso que falamos, podemos perceber uma grande diferença entre os animais terrestres e aquáticos.

3. Absorção de minerais

Vamos para outra grande diferença, a absorção de minerais.

Mas por quê?

Porque os peixes e os camarões conseguem absorver minerais diretamente da água pelas brânquias e até pela pele. Enquanto que o gado, o suíno e as aves você sempre precisará fornecer esses minerais através da ração. Portanto, na hora que formulamos a ração é fundamental considerar isso. E existem alguns minerais que até não precisamos acrescentar devido à excelente absorção que tem na água.

4. Utilização de carboidratos

Os organismos aquáticos habitam um meio que tem pouco carboidrato comparado com a terra, que tem diversos grãos, tubérculos que tem bastante carboidrato e servem como itens alimentares para os animais. Já as espécies aquáticas usam a própria proteína para gerar energia. Vamos ver que os 3 macronutrientes (proteína, lipídios e carboidratos) podem gerar energia. Só que a energia gerada é muito cara e não queremos que a proteína seja usada para gerar energia.

Portanto, precisamos inserir a quantidade de carboidrato e lipídio suficiente para evitar que a proteína seja degradada para gerar energia.

Mas tem um detalhe, os animais aquáticos acabam não utilizando o carboidrato tão bem. Então é fundamental saber qual a quantidade necessária para a espécie que estamos trabalhando. E tudo isso é sem contar os diferentes hábitos alimentares que veremos nos próximos artigos, onde podemos ver que os peixes carnívores (truta) utilizam ainda bem pior o carboidrato do que os peixes onívores (tilápia).

Além de utilizar pior que os suínos e aves, ainda existe essa outra particularidade relacionada ao hábito alimentar. Ou seja, quanto mais carnívoro pior o peixe utiliza o carboidrato.

5. Exigência de ácido ascórbico

O que é ácido ascórbico?

É a vitamina C. Na natureza alguns organismos, como os humanos e os peixes, não possuem a habilidade de sintetizar vitamina C.

O que isso significa?

Tem que ser adicionado na dieta. Na prática, não podemos usar um premix vitamínico e mineral de frango e suíno que não tem vitamina C na ração de peixe.

6. Ambiente aquático

A última grande diferença é o ambiente aquático, que é um meio que promove perdas de nutrientes, porque no momento que a ração entra em contato com a água os nutrientes hidrossolúveis, como já falamos mais acima, já começam a se perder.

A nutrição e alimentação inadequada ou de forma errada também afetam a qualidade da água.

E a outra diferença é que o ambiente aquático temos a produção do alimento natural (e.g. algas, copépodes, cladóceros) e algumas espécies conseguem aproveitar essa produtividade primária como alimento, e existem algumas produções onde os peixes nas suas fases iniciais são criados sem ração.

Esperamos que este artigo tenha despertado muita curiosidade, dúvidas e interesse em conhecer mais sobre a importância da nutrição na aquicultura.

Autores: Ivanilson Santos; Mayssa Oliveira; Priscila Rezende.

Acompanhe @ivanilsonsnts para mais conteúdo e conheça mais sobre a Engenharia de Pesca aqui.

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