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Sistema Interligado Nacional - Segurança Energética

(In)Segurança Energética: um novo prisma para o Brasil

Vamos entender primeiramente os riscos históricos aos quais o Brasil está acostumado a lidar. Para em seguida debater o que podemos vivenciar com a transição energética.

O sistema elétrico nacional é hidrotérmico, isso significa ser baseado majoritariamente em hidrelétricas e termelétricas. E estas têm sua operação planejada e gerida em função das sazonalidades das chuvas e dos níveis dos reservatórios.

A base do sistema elétrico brasileiro

Devido à alta depedência das hidrelétricas, hoje responsável por cerca de 60% de nossa eletricidade, somos obviamente vulneráveis a eventos climáticos extremos! Essa dependência já foi de 90% nos anos 90. Ou seja, temos experiência e de lá pra cá fomos aprendendo a gerenciar os níveis dos reservatórios ao longo das estações do ano. Complementando com termelétricas em momentos mais secos (poucas chuvas). E de tempos e tempos enfrentamos anos atípicos com baixíssima pluviosidade.

Assim, a gestão dos reservatórios das hidrelétricas é um componente essencial para a segurança energética nacional. E a gestão dos recursos tem como base uma lógica simples (mas não tão fácil de ser aplicada devido as imprevisibilidades envolvidas).

Os reservatórios acumulam água para serem usados conforme necessidade ao longo do tempo. Porém, se eles estiverem muito baixos, nos vemos diante de um dilema que vou ilustrar através de uma metáfora.

Por exemplo, você leitor chega em casa à noite e fica sabendo que está com pouca água na sua caixa d’água, assim:

  • você pode se ver obrigado a decidir se toma banho à noite e torce para cair água da rua ao longo da madrugada para ter água para cozinhar no dia seguinte;
  • ou abdica do banho, garantindo assim que cozinha no diz seguinte;
  • vale lembrar ainda que usos menos urgentes como lavar roupa fica suspenso por prazo indefinido. Bem como você se preocupa em verificar que nenhuma torneira esteja pingando.

As sazonalidades podem ser observadas tanto ao longo das horas do dia, quanto ao longo das estações do ano. Isso depende do tipo de fonte e de sua localidade. Sendo assim, configuram-se em problemas distintos.

Gestão de reservatório é um problema de energia e não de potência

Extrapole essa situação para uma nação e relembremos crises hídricas históricas, que tiveram algumas medidas de solução e controle como:

  • aumento da tarifa elétrica (caso da bandeira vermelha) para induzir ao uso mais racional e eficiente do consumidor, evitando desperdícios;
  • incentivo ao racionamento (redução da tarifa elétrica para quem diminuísse seu consumo em relação ao seu histórico. Uma estratégia inversa à anterior, mas com a mesma finalidade);
  • aumento da geração por parte das termelétricas (mais caras e que aumentam também a conta de luz);
  • cortes programados de fornecimento por hora e região;
  • ou, na ausência ou insucesso das medidas de solução, enfrentar apagões não programados quando a demanda aumentasse acima da capacidade de oferta naquela instante. Ou seja, levando a uma sobrecarga do sistema.

Somente neste século já enfrentamos três grandes momentos de crise hídrica em diferentes magnitudes, 2001, 2014-15, 2020-21. E a principal estratégia para aumentar a resiliência do sistema (e um sistema mais resiliente aumenta a segurança energética) é a diversificação da matriz.

Diversificação não significa apenas maior diversidade de fontes em si, mas também sua dispersão pelo território nacional.

Afinal, reservatórios de bacias hidrográficas diferentes podem presenciar regimes de chuvas diferentes. Estando um deles com reservatórios mais cheios, enquanto outra bacia esteja com níveis mais baixos. A mesma lógica vale para o regime de ventos necessários para a eólica. Pois há diferenças no regime de ventos entre o Sul e Nordeste, bem como onshore e offshore.

Há também a sazonalidade de diferentes biomassas, pois cada uma delas possui seu regime de safra e entressafra, regiões de cultivo etc. Afinal, somos um país de dimensões continentais.

Fontes intermitentes podem aumentar o risco de problemas de potência

Entretanto, a expansão das renováveis intermitentes vem redesenhando a matriz energética de vários países, e com o Brasil não é diferente. Uma característica da eólica e da solar (focando nos casos comerciais tradicionais) é que não escolhemos quando elas geram, seu funcionamento é dado pela natureza. E portanto, tem de ser entregue para os sistemas de transmissão e distribuição naquele instante. Caso contrário, aquela energia seria desperdiçada.

E qual o problema disso?

No momento que solar e eólica entram no sistema, outras fontes que estavam operando têm de ser desligadas. E o inverso também ocorre, tendo de ser religadas quando as intermitentes param de produzir eletricidade.

Um exemplo bem regular é ao entardecer/anoitecer. Quando todos os painéis solares param de funcionar praticamente ao mesmo tempo, num movimento drástico de desligamento, que tem de ser suprido pelas demais fontes.

Por enquanto isso não é um problema nacional, sequer regional, pois a solar no país ainda está em torno de 5% da geração anual. Entretanto em expansão vertiginosa (vide Figura 1), como já abordado por este autor em “Energia Solar não é apenas Painel Fotovoltaico“.

Evolução da Potência Instala de Fotovoltaica
Figura 1 – Fonte: ABSOLAR (2023)

De todo modo, essa expansão é desigual na geografia da cidade, afinal é um custo que poucos brasileiros podem se dar ao luxo de ter. Sendo assim, certos bairros de alta concentração de renda já podem trazer instabilidade para certas distribuidoras, e as soluções para esses problemas têm de ser pensadas desde já pelo poder público e órgãos reguladores.

Diferentemente do problema de energia dos reservatórios, os efeitos provenientes da intermitência configuram um problema de curva de potência. A Figura 2 ilustra o caso da Califórnia, mostrando exemplos ocorridos em maio de 2018 e abril de 2023, e seu agravamento nesse tempo. Devido a diferentes desenhos da curva presenciada em cada matriz, ela costuma receber nomes exóticos, como Curva de Pato, Curva de Ness, Curva em Canyon em alusão a animais reais ou fantasiosos, ou formações geológicas.

Exemplo de curvas de potência na Califórnia
Figura 2 – Fonte Powermag

Quaisquer que sejam os desenhos das curvas, elas se caracterizam pela variação de carga em um pequeno intervalo de tempo, causando um repentino descolamento entre oferta e demanda. Esse descolamento pode ocasionar instabilidades na rede, queima de aparelhos, ou até mesmo pequenos apagões em bairros/regiões. Afetando assim a segurança energética no mínimo de parte da rede de distribuição.

E quais as soluções hoje e futuras?

Paradoxalmente, a expansão em várias matrizes pelo mundo de uma fonte renovável como a solar, que visa combater as emissões de gases de efeito estufa, levou também à expansão de termelétricas a gás natural (caso da Espanha por exemplo).

Termelétricas à gás, especialmente em arranjo de ciclo aberto é uma das melhores escolhas tecnológicas para compensar essa intermitência, pois é uma planta de resposta bem rápida, ligando e desligando em minutos. Entretanto, além de poluidoras, possuem menor eficiência e maior custo que arranjos mais complexos.

Para o futuro, vários países ou regiões do mundo apostam na expansão de plantas de armazenamento através de baterias, tecnologias que não deixam de ser nocivas ao meio ambiente, mas sua escolha se dá por ser menos emissora que as térmicas a gás (rota escolhida pela Califórnia).

Já para o Brasil, que sequer vivencia esse problema ainda, o próprio sistema hidrotérmico já existente apresenta uma boa resiliência que permite absorver bem a inicial expansão dessas intermitentes.

Entretanto, devido a imprevisilibilidade dos regimes de chuva, convém que o poder público incorpore em seu planejamento as redundâncias necessárias para garantir a segurança do suprimento diante da transição energética no médio/longo prazo.

Esta coluna focou em aspectos técnicos e operacionais da segurança energética. Em outra ocasião olharemos pelo prisma geopolítico e de soberania nacional… Aguardem!

Se você ainda não me conhece como autor deste Blog, veja minha primeira matéria, sobre Transição Energética, clicando aqui.

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